MACHADO

2008 - centenário de morte de Machado de Assis


As letras abriram-lhe ao mundo.
As letras fizeram-no universal.

NO DIA SEGUINTE AO NATAL



No dia seguinte ao Natal
vai o menino caçar
passarinho com a espingarda
que lhe deu Papai Noel.
Coloca chumbinho na arma
e fica à espreita, esperando,
sua vítima pousar.
Uma andorinha num fio
de luz faz parada.
Levanta o menino a espingarda
e mira com precisão.
Tiro certeiro!
O corpo morto da ave
cai direto até o chão.
Corre o menino e pega
em suas mãos a ave morta.
Mas ao invés da alegria
que esperava sentir,
uma dor e angústia
brotam em seu coração.
Sepulta em choro a andorinha,
sepulta no armário a espingarda.

AS NUVENS



As nuvens,
como amantes apaixonados,
debruçam-se e beijam
cada curva das montanhas de Tinguá.

EU BRINCAVA DE ESCONDE-ESCONDE



Eu brincava de esconde-esconde

e não sabia dos porões da ditadura;

divertia-me no trepa-trepa

e desconhecia o que era pau-de-arara;

a tarde era para o agacha-agacha

e para mim não existiam humilhados;

fazia com amigos uma roda, girando para cá e para lá,

enquanto havia tantos perseguidos;

andava livre pelas ruas do meu bairro

sem sequer ouvir falar de prisioneiros e torturados e exilados.

Eu crescia livre qual o trigo pelo campo,

ignorando tantas vidas desterradas

ou taxadas como joio e ceifadas.

Cresci sentindo-me amado e protegido.

Hoje sinto que também alienado.


AS NUVENS



As nuvens,

como amantes apaixonados,

debruçam-se e beijam

cada curva das montanhas de Tinguá.